22 de ago. de 2024

O diabo disfarçado de mulher

O primeiro computador lá de casa era um trambolho enorme feito de partes reaproveitadas de outros computadores. Ele ficava no quarto dos meus pais, num daqueles racks de compensado para computador com uma prateleira exclusiva para cada acessório imaginável. Já naquela época ele era um jovem deus em seu altar -- um jovem deus que usava um protetor de tela que eu sempre tirava quando meus pais não estavam olhando.

Uma internet decente demorou para chegar lá em casa, então, enquanto isso, eu gastava todo o meu tempo com jogos em CD-ROM. Eles eram vendidos junto com revistas em bancas de jornal, apesar de eu não ter uma lembrança sequer nem de qualquer uma dessas revistas, nem de ir na banca escolher um CD: até onde eu sabia, eles apareciam magicamente no porta CDs que a gente tinha (que, inclusive, foi um brinde de uma promoção de um posto de gasolina. Sim, quero ver quantas informações inúteis consigo colocar em um post só).

Um desses CDs era o 101 Dálmatas: Livro Animado Interativo (1999). O próprio nome já diz tudo e eu não tenho muito o que explicar aqui, mas ele era (é) um livro interativo que conta a história do filme, junto com alguns joguinhos e músicas. Alguns bons anos atrás, vira e volta eu me lembrava de uma das músicas e, apesar de me lembrar de parte da letra, nunca conseguia achar um vídeo com a canção. 

A música em questão era uma da Cruella de Vil. A parte dela que eu me lembrava com mais clareza é a que chamavam a Cruella de "o diabo disfarçado de mulher" o que, apesar do trocadilho do "de Vil" (sem internet, uma criança brasileira pode passar a vida inteira sem saber dessa, convenhamos) é bem ousado para um joguinho da Disney de 1999. Você se lembra daquela confusão que foi o comercial com os "pôneis malditos"? Aquilo foi em 2011, só para vias de comparação.

Alguns anos atrás minha busca acabou e finalmente encontrei a música, assim como todas as outras do CD e o gameplay completo. Eu cresci com ela então tenho total consciência de que sou meio suspeita para falar, mas gosto demais da (aparente) simplicidade dela e de como, em menos de um minuto, ela é capaz de apresentar o perfil de uma personagem de forma tão hábil:


 

Cruella de Vil, Cruella de Vil,
A coisa mais rara é vê-la gentil.
Ao vê-la sinto logo um arrepio.
Cruella, Cruella de Vil.
Ao vê-la, você pensa que é o diabo.
O diabo disfarçado de mulher.
Você vai confirmar, pois ela vai mostrar
que ataca como um animal qualquer.
É uma vampira, querendo sugar.
Deviam prendê-la e nunca soltar.
O mundo era bonito até que viu
Cruella, Cruella de Vil!

Também achei a versão original em inglês da música e, talvez seja a nostalgia falando mais alto, mas ela não é tão legal quanto a nossa versão brasileira. É uma pena eu não ter acesso ao nome dos tradutores ou até mesmo do estúdio de dublagem, que também fez um ótimo trabalho. A Disney sempre teve traduções muito boas, principalmente no que diz respeito às músicas (pelo menos a Disney de alguns anos atrás, eu não faço ideia de como eles estão recentemente). Música é um desafio para traduzir e, nesse caso, tem que ser levado em consideração não só os aspectos usuais da tradução de músicas, mas também a imagem da animação.

Para fechar o post, o vídeo da canção é parte do trabalho do Vinícius Garcia, que simplesmente tem um diretório fantástico dedicado à preservação de CD-ROMs infantis. A parte engraçada é que ele conta que iniciou esse projeto porque, em 2018, acordou "com uma enorme vontade de ouvir a música 'Há Muito Cão', do jogo 101 Dálmatas - Livro Animado Interativo".

4 comentários:

  1. Meus pais tem uma foto minha usando o computador em uma mesinha igual exclusiva pra ele e pra cada acessório (a nossa no caso ficava na sala porque era o único lugar que cabia). Seu post despertou um monte de memória nostálgica que eu nem sabia que tinha. Eu e minha irmã tínhamos um cd com um jogo chamado Magic Theatre que também ninguém faz ideia de como foi parar lá em casa hahaha.

    Não conhecia essa versão da música, acho que só a do filme (que eles trocam para Cruella cruel). E confesso que esses anos todos e eu nunca tinha percebido que o nome dela era um trocadilho com „devil”!

    Cresci assistindo os filmes da Disney em português brasileiro, e tenho a mesma sensação sua de que as versões originais não são tão boas, ou ao menos não coçam o itch da nostalgia da mesma maneira. Uma pena que o Spotify pra mim só apareçam as versões em inglês. :(

    Que bom que tem alguém preservando essas relíquias da nossa infância!

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    1. Que bom que o post despertou essas memórias, fico feliz! Os racks realmente eram grandalhões, tinha que ter espaço. É engraçado pensar que antes era necessário tanto espaço e agora estou respondendo seu comentário com o notebook no colo, em cima da cama.

      Eu nem me lembrava da música do filme, procurei agora para ouvir, obrigada por me lembrar! Sobre o trocadilho, eu também só saquei quando li a respeito, kkkk.

      Quando é um filme ou desenho que cresci assistindo, também sempre prefiro a versão brasileira, tanto as músicas quando as dublagens. O mesmo acontece com os filmes da Barbie, "Eu Sou Assim Como Você" não é a mesma coisa em inglês, realmente é o itch da nostalgia.

      Obrigada pelo comentário!

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  2. Cara, que nostalgia esse post me trouxe! Eu também tinha desses racks em casa e ficava justamente no quarto dos meus pais. Nunca cheguei a jogar esse dos 101 Dálmatas, mas me lembro muito dos CDs do Ronald McDonald e da Pantera Cor de Rosa. Eu me lembro muito dessa polêmica dos pôneis malditos, inclusive acho que esse episódio contribuiu muito pra mudança dos desenhos infantis, deixando eles menos polêmicos e com menos duplo sentido o possível. Sobre as traduções da Disney, acho que eles continuam muito bem, uso Encanto como minha referência, apesar de preferir a versão das músicas em inglês. Pensando aqui, deviam voltar a comercializar esses joguinhos da nossa infância, certeza que aqueceria o coração de muita gente.

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    1. Ahhh, fico feliz que o post tenha causado nostalgia! O rack com o computador no quarto dos pais era um clássico. Eu também tinha um CD do Ronald McDonald, mas ele era um que eu nunca consegui colocar para rodar. Engraçado, não tinha pensado nisso, mas realmente deveriam voltar a comercializar os jogos. Hoje é necessário dar vários pulos de gato para colocar um CD desses para rodar, tanto que nunca tentei. Que bom que a Disney mantém a qualidade das traduções; é bem chato quando uma empresa, seja ela qual for, não dá importância à tradução, acaba que desvaloriza o produto final.

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